O Corredor da Dança é um ponto de referência a nível nacional e internacional, porque vieram dançarinos famosos do mundo inteiro praticar aqui com a gente. É uma coisa incrível que aconteceu aqui. Eu me sinto até honrado... por dentro eu sei que eu fiz parte dessa história e eu fico muito feliz de ter esse reconhecimento... de onde alcançou tudo isso.

Bboy Aranha, 2020
Pra mim, praticar breaking, desde o começo, meio que foi pra militância... Porque ele tem a ver com resistência. Eu passei muito por isso, desde quando eu comecei a dançar, ser expulso de lugar onde eu treinava... É um bagulho meio absurdo, mas acontece. O próprio Centro Cultural já tentou tirar a gente de lá. Com certeza, eu acho que militância é o breaking em si. É ser resistente à sociedade que está com você e fazer uma coisa que você gosta, mesmo que a sociedade, meio que geral, desaprove. Porque se você é visto na televisão como um marginal, um vagabundo, se você dançarino... Bom, a sua mãe, a sua família, vão olhar pra você e falar: “ai, esse daí é o vagabundo, marginal”. Entendeu? Então, de qualquer forma você tem que resistir em todas as partes da sociedade, até dentro de casa, às vezes, pra você ser um dançarino, pra você viver como profissional da área da cultura de rua.


Bboy Endrigo, 2020
Várias coisas aconteceram. A gente se sente até orgulhoso pela resistência de insistir, de tentar fazer a arte acontecer. Até porque, é um Centro Cultural, né? O nome já diz. A gente tá com a cultura de rua verdadeira aí no espaço.

Bboy Aranha, 2020
É um contato indireto, de maneira geral são um pessoal muito cordial... te vê, te percebe. Mas não conversa com você. Nem te julga, nem te atrapalha, nem te pergunta nada. Simplesmente vê você lá e tudo bem... Eu acho que eles estão acostumados que as pessoas vão lá e ocupam o espaço. Ou já estavam quando eu passei a ir lá. Talvez no começo não. Mas, quando eu passei a usar, parece que era uma coisa bem comum, naquele universo.

Evandro Paz, 2020
Quando eu comecei a praticar uma das danças que permeia o Hip Hop, o waacking, eu ia pra lá e ficava treinando no reflexo do espelho. Eu treinava sempre pra ver as minhas braçadas, uma das características dessa dança e ao mesmo tempo eu tentava mesclar com alguns passos da salsa (mais tarde eu entendi que a salsa também teve participação no surgimento da dança waacking)... Eu treinava o samba-rock também... e dentro disso, comecei a aproximar mais pessoas de mim... As pessoas iam tanto pra aprender as braçadinhas do waacking e também o samba-rock... Uma das pessoas que ia lá treinar comigo era o meu amigo na época, o Rafael, e hoje em dia, graças ao samba-rock, àqueles treinos ali dentro do Centro Cultural... a gente criou um relacionamento afetivo. Estamos aí há quase dois, três anos juntos... Então tem essa grande importância do Centro Cultural nas nossas vidas.

Carol Nola, 2020
Algumas pessoas já vieram perguntar se eu dava aula, o que eu tava dançando... “O que que cê tá dançando? O que é? Não identifiquei”... Então tem essa curiosidade das pessoas que passam ali. Acho que tem gente que gosta até de passar ali de propósito pra ver a galera dançando, porque poderia passar no outro corredor... Virou uma vitrine mesmo.

Fe Squariz, 2020
Meu grupo nunca teve uma sede então a gente… Pô, o Centro Cultural... acesso fácil, metrô.. é aberto, a gente tem a interação com as pessoas, tem esse clima... por mais que seja um lugar fechado, ele oferece o clima urbano, a relação do ambiente, a relação da sonoridade da rua, o pedestre pra um lado e pro outro. A dança urbana não necessita desse ambiente para acontecer, mas é muito mais propício, nos deixa muito mais à vontade. Então o Centro Cultural ali se tornou um cantinho pra gente poder estar.

Ivo Alcântara, 2021
Pra mim o Centro Cultural é um filho. Quando você vê que existe um sucesso tão grande dá um orgulho. Quando eu vi que Bboys de nome do mundo conhecem o Centro Cultural... falaram assim pra mim: “I know the place, all the people around the world talk about the place”... falaram que todo mundo fala em volta do mundo sobre o Centro Cultural do Brasil, da cidade São Paulo e eu falei, sensacional! Eu não sabia dessa informação.

Bboy Endrigo, 2020
Cada vez que eu ia era a mesma coisa. Cada vez eu tinha que matar um leão pra dar uma aula de dança e aí eu falei... meu, isso não dá, eu preciso criar uma estrutura minha... E aí eu fui acostumando com ser um caracol. Você anda com a casa nas costas. Boxer, entre quatro e cinco carregadores diferentes, bateria à parte. Lá no Centro Cultural não tinha tomada... Eu comprei a minha bateria, pelo menos uma hora e meia, duas horas, vai durar tranquilamente... Você tem que ter uma autonomia própria, nem sempre você consegue nos lugares que você vai.

Evandro Paz, 2020
Todas essas ações fizeram com que a dança urbana ficasse mais a vontade de ocupar esse espaço, depois que aconteceram várias dessas ações, tipo: “Poxa, que legal, aqui tem essa dança... pô, vamos ocupar ali o corredor, vamos dançar ali.” Sempre naquela coisa tímida... era mais fácil você encontrar as pessoas treinando nas calçadas ou em praças, do que no Centro Cultural. Até que migrou. Porque o movimento forte mesmo era em metrô, era o São Bento e o Conceição... Depois... Vergueiro. A Vergueiro tá há muitos anos sendo o espaço de luta para que a gente possa praticar.

Ivo Alcântara, 2021
Eu acredito muito nessa política de ocupação... da gente estar ali como uma maneira de se tornar visto, e às vezes até num reflexo de falar: “ok, não vai oferecer a sala arena? A gente vai fazer aqui mesmo.” Eu acho que a dança urbana ela tem isso por si só. Ela já acontece desta maneira. Ela é considerada urbana ou dança de rua, porque ela em algum momento foi barrada em algum lugar... ou ela não foi reconhecida como uma dança pra estar em determinado lugar.

Ivo Alcântara, 2021
Eu sempre falo que existe uma comunidade de dançarinos de dança urbana daqui de São Paulo e um dos pontos de encontro desta comunidade é o Centro Cultural São Paulo, a partir desta Prática, a partir desta roda…

Rafa Funky, 2020
Se você parar pra pensar tem muita coisa que acontece ali. Cada pessoa que vai dançar ali tem um motivo específico... Eu conheço muita gente, na real, que não tem um lugar pra poder dançar sem ser aquele. Conheço gente da Zona Sul que vai até o Centro Cultural São Paulo praticar lá, porque lá é o único espaço que tem à disposição. Paga os R$4,50 pra poder realizar a prática dele. Tem gente que vai de bike e mora longe pra caramba, na Zona Norte.

Rafa Funky, 2020
O Hip hop Freestyle tem como essência a improvisação e nas cyphers o que acontece? Precisa que uma pessoa entre e as outras pessoas vejam e assim vai acontecendo as trocas… a pessoa que tá dentro ela fica obviamente em evidência. Daqui da minha cidade, antes de eu ir pra São Paulo, eu via sempre um video de uns caras que batalhavam, aquelas minas mó foda, nossa, eu pirava! E quando eu me vi no meio daquela galera, fiquei em choque. Eu já tinha uma certa dificuldade de entrar na roda, nesta exposição, porém lá isso acentuou muito mais. Eu não conseguia entender como que eu tinha escolhido aquilo pra minha vida e não conseguia fazer aquilo que eu considerava que fazia de melhor… Naquele momento era um absurdo eu não conseguir entrar nas rodas. Tinha vezes que eu ficava quatro horas em pé olhando uma pessoa após a outra entrando na roda... e eu querendo entrar, mas em auto-julgamento exacerbado, não conseguia. Então o Dil percebia isso, vinha, conversava comigo e me dava todo o estímulo, todo o apoio e aí eu consegui superar isso. Foi algo que eu consegui tratar através das rodas no CCSP.

Mika Kuma, 2020
É muito engraçado porque toda quinta feira a gente perguntava: “E aí hoje tem?”... e aí o Dil responde: “Faça chuva, faça sol, todo dia tem Prática na Vergueiro.” E sempre foi assim. “Ah, mas até que horas vai?”... O infinito e além, porque o Centro Cultural pode fechar e a gente ainda vai continuar lá na calçada e é isso.

Kika Souza, 2020
E eu descobri o Prática entre 2017 e 2018, que era o período que eu tava na Etec. Então, todas as vezes que tinha aula vaga de quinta feira, ou a aula acabava mais cedo, eu corria pra Vergueiro... lá foi onde nasceu a minha pesquisa de TCC... onde eu conheci muitas pessoas… as pessoas que fazem parte do Prática são as pessoas que vão nos eventos, vão nas batalhas, nos workshops... a gente se encontra por lá.

Kika Souza, 2020
Foi muito mais uma conquista pro Centro Cultural... porque o Centro Cultural é visto através da prática como algo vivo, algo pulsante… A dança ali no Centro Cultural... ela ocupa. Se der mais um pedacinho, a dança vai ocupar. Se colocar na biblioteca, vai ter dança. É simples a equação.

Ivo Alcântara, 2021
Se você for analisar, tem ali as danças acadêmicas... algum balé da vida, algum contemporâneo... tem um destaque na tratativa diferente. Porque que as outras danças não tem? Entendeu? Será que é pela origem? É quem pratica? O mínimo seria a mesma tratativa, a mesma condição, o mesmo suporte, a mesma divulgação dos trabalhos, até porque ali é conhecido como uma universidade.

Carol Nola, 2020
Pra gente, a gente faz parte do Centro Cultural. Não importa o diálogo. Dialogando ou não dialogando... A gente leva isso aonde a gente vai. Você vai olhar o Instagram de todos que treinam lá, todos tem vídeo lá, foto lá. A gente vive lá. A gente se sente o espaço. Pra gente, estar lá é prazeroso desde sempre... A gente busca nosso espaço, tanto como ocupante, quanto como cidadão... O que a gente quer, como todos, é poder ir e vir em qualquer espaço que é nosso por direito, utilizar e ser bem tratado... E lá começaram a ceder esse espaço. A gente fica muito feliz de estar podendo dialogar agora num lugar que a gente acha que a gente sente que é nossa casa. A gente tem como nossa casa o Centro Cultural.

Bboy Grilo, 2020

O Centro Cultural tem essa importância na minha vida e na vida das pessoas que treinam lá. Não é um ensaio, é um treino. O Dil costuma dizer que lá a gente tem feedback de um ângulo de 360 graus, porque a gente treina em roda, né?

Kika Souza, 2020

A relação sempre foi neutra, chegamos sem pedir, escolhemos um canto e lá ficamos, não conhecia ninguém da gestão, também nunca fomos apresentados a ninguém do CCSP, as únicas pessoas que falavam com a gente era o pessoal da segurança, hora pedindo pra abaixar o volume do som, hora pra mandar a gente ir embora, se não mandar, a gente nunca vai embora...

Dil RL, 2020
Eu não ia no CCSP, porque era o lugar da Style Crew e se eu fosse, provavelmente nós íamos ter disputas de dança, entendeu? Era muita rivalidade. Era muito gostoso, porque a gente respeitava. Pô, ali é a área da Style Crew... Pô, a Zona Leste, onde eu treinava, dentro do SESI, na Arthur Alvim, em Guaianazes, é área da Break Mania. Em Osasco, é a Gueto. Em Diadema, a Back Spin. Era assim que funcionava antes.

Fabio Inspace, 2020
Eu acho que o principal motivo, inicial, foi a questão financeira, pra usar o Centro Cultural, por seu espaço livre, público, aberto, democrático. Também pela localização, acho que isso daí é um dos outros pontos que pesa bastante o uso do Centro Cultural, porque eu moro na região do Jabaquara, Zona Sul, próximo à linha azul do metrô, então pra chegar lá é muito fácil, pra mim.

Felipe Trizi, 2020
Sempre sentia uma relação ali de mais de uso, de oportunidade de ter um lugar que está aberto a usar de graça, a usar livre, no horário que eu quisesse… de eu colocar minha música e não ter ninguém reclamando, não ter ninguém falando se aquilo pode acontecer ou não. Mas dizer que eu me sentia como parte da programação, com certeza não. E não só isso, mas acho que justamente por ter essa liberdade... o que eu me sentia é como se eu fosse invisível pro Centro Cultural.

Felipe Trizi, 2020
Uma lembrança que vem desta situação, é da estranheza que as pessoas tinham ao me ver dançando, porque é um estilo que não é comum no Brasil, é um estilo que é totalmente diferente, seja pela própria dança… aliado com a música, que pra muitos é música velha, é música chata, é música de elevador, então… O que eu tenho de lembranças é da estranheza no olhar das pessoas ao verem a gente dançando.. a estranheza e a curiosidade.

Felipe Trizi, 2020
Lá é um espaço que a gente já treina, gosta, conhece o declínio do chão… sabe onde é mais liso, onde não é mais liso… tem uma aproximação muito íntima com aquele pedacinho de terra com uns pedacinhos de concreto que a gente acaba administrando... quando amigos colam, treinam lá também… mas a gente treina sempre no mesmo lugar.

Bboy Grilo, 2020
Com o passar do tempo foi crescendo, eu fui gostando mais de dançar e comecei a fazer cover de Kpop. Esse foi o primeiro contato que eu tive com a Vergueiro... querendo ou não, em São Paulo, ali é o centro do cover. Todo mundo que faz cover de Kpop sonha em ir na Vergueiro pra dançar... pra mim foi muito mágico quando eu cheguei lá. Eu era muito novo na dança, então, qualquer contato fora do que você tem da sua vivência é muito mágico, porque onde eu olhava eu via gente dançando… sendo Kpop, sendo Breaking, ou sendo da dança de salão, foram as três danças, as primeiras danças que eu tive contato lá no CCSP.

Tsukasa, 2020
A energia que a gente sentia nesta troca é uma coisa muito legal. Era como se fosse o alívio da semana, sabe? Pô, passei a semana pesado, trabalhando que só uma desgraça... Ah, vou pra Prática, vou relaxar, vou conversar... Porque ali tinha vários públicos. Tinha a galera que ia só para dançar. Tinha a galera que ia pra aprender… Tem dançarinos que já saíram do país para representar o Brasil em campeonatos. Então, muitos dançarinos iam pra lá pra conhecer isso. Tinha dançarinos de fora de São Paulo que vinham só pra ver toda essa vibe. Pra sentir tudo isso. Tinha os dançarinos que eles não queriam saber de dança no dia, eles queriam conversar, trocar idéia com seus amigos, tomar uma cerveja no bar da frente. E é isso o Prática, ele tinha toda essa abertura… É uma questão de representatividade, de mostrar que a gente tá convivendo ali o tempo todo. Foi uma voz que foi dada pra gente...

Tsukasa, 2020
Quando você vai fazer uma ocupação lá, há uma resistência dos dois lados... Até mesmo pra eles entenderem o que é a gente e para gente entender o que é eles. Ao mesmo tempo que você está ali ocupando, muitas vezes, as pessoas da gestão não entendem ainda o que é aquilo… e aí tem conflitos… A gente teve bastante conflito... ainda tem um pouco... mas melhorou muito... Chegou uma hora que conseguiram entender e ver que a gente não ia sair de lá, né?

Bboy Grilo, 2020
Na verdade tem uma questão aí... qual é a porta... qual é a entrada? É direto aqui? É num órgão central, que seria a Secretaria Municipal de Cultura, que redireciona ou pras Casas de Cultura ou pras periferias, ou pros CEUs... praí ou pra outros Centros Culturais? Como é que isso se encaixa na programação sendo que tudo tem que ter uma gestão pública? Como é que funciona? A gente nunca sabe, né?

Evandro Paz, 2020
Na década de 80 existia o metrô São Bento, foi o centro do Hip Hop… formou muitos artistas, grande rappers, Mano Brown, Thaíde, Dj Hum, todo mundo passou por ali... Muitas pessoas, Nelson Triunfo, na dança... bastantes pessoas da Back Spin (Back Spin Crew) também... Muitas gerações passadas iam pra esse lugar que era a São Bento… E aí… a gente criou a São Bento nova, que chama metrô Vergueiro... esse pico se tornou o maior pico de treino em São Paulo… A gente nem sabia o que estava acontecendo... A gente só treinava porque a gente gostava. A gente resistia, porque somos a resistência. A gente entende que o espaço é público, é nosso por direito, então, a gente tem que ocupar. A gente tem que estar inserido, a gente tem que estar mostrando a nossa arte. E aí, através disso, as pessoas viram que poderiam também estar ocupando o espaço. Poderiam estar ali, levando a sua arte para outras pessoas conhecerem. Até porque, é um espaço que tem uma demanda de mais pessoas, de circulação. Tem uma demanda forte na cultura, de muitos shows, muito teatro... a diversidade é muito grande... Muitas pessoas acabam indo pra lá pra isso... Hoje a gente entende que o Centro Cultural virou uma São Bento da dança. A gente criou uma nova São Bento.

Bboy Grilo, 2020
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Diagrama de registro dos percursos em “Centro Cultural São Paulo: Cartografia de usos”. SIAA arquitetos associados. São Paulo, 2018.